sábado, 24 de maio de 2008


elementos criativos. um conto:


É noite. O Inverno chegou. A escuridão agarra-se aos contornos das ruas desertas. Os ladrares longínquos ouvem-se em sequências descontínuas. De vez em vez um motor ruge, mistura-se com o ruído do vento nas laranjeiras e a imagem dos assassínios daqueles três homens desconhecidos que tinham aparecido mortos na berma da estrada paira lúcida na tua cabeça. Ouvis-te dizer na aldeia que já se encontravam elementos da judiciária a investigar o caso, fala-se muitas coisas, a aldeia está apavorada, quando a noite cai não se vê ninguém e durante o dia os sussurros e as caras desconfiadas imperam. Tudo está estagnado, trancado no mais silencioso dos mundos. Não têns medo, têns receio, escalafrios, percorre-te o corpo uma espécie de fascínio e de terror por aqueles homens mortos, revês-te no corpo daqueles homens, a lutar arduamente contra o assassino, a lutar pela vida numa daquelas estradas ermas, silenciosas, e por fim a visão do teu corpo caído numa das valetas da estrada e a sensação da tua cara junto à erva tenra e fresca emanando um aroma de uma vida que para ti chegava ao fim. Oscilas a cabeça com um movimento brusco para afastar estes pensamentos e diriges-te para uma das janelas e dali perscrutas outra vez a sensação do terrível e assombrador medo da noite. É lua cheia, um luar metálico ilumina as árvores que dançam languidamente. Gatos e cães disputam parte deste território de medo, vazio, escuro, frio. Havia quem dissesse assombrado. Os pesados pensamentos possuiem-te novamente, agora já não estás morto, agora és o assassino.
Diriges-te aos leitores e perguntas: cuidado, muito cuidado com o que aqui friamente vou contar, quem não estiver preparado para escutar o som do mais profundo dos terrores, desista, termine já de imediato esta leitura, afaste-se deste terrível mundo, pois aqueles que continuarem jamais poderão contar com uma viagem de regresso. E tu, audaz leitor, continuas, és corajoso e enfrentas este perturbante lugar. Os teus passos são lentos e decididos, ouves esses mesmos ladrares tornados agora contínuos, vigias a escuridão com todo o cuidado, sentes o coração a cavalgar, a tua respiração torna-se ruidosa e no momento exacto quando aqueles três homens se cruzam à tua frente, alguém que estava sentado no sofá grita e o conto termina. Fim.


(colectânea de contos invisiveis- eddy nelson)

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